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Quem escutasse com atenção o caos de conversas que pairava
no refúgio do Circo de Gredos (Espanha), à hora do jantar,
facilmente se aperceberia da elevada percentagem de lusitanos que povoavam
a sala. Aproveitando a "ponte" do Carnaval de 2002, dezenas
de montanheiros portugueses rumaram a Gredos, preenchendo por completo,
não só as camas existentes, como o espaço para tendas
no exterior. O Neve Estrela decorreu no mesmo fim de semana, mas a julgar
pela amostra, não deve ter tido muita afluência. Pela minha
parte, integrei uma "coligação" de clubes que
incluía gente do GMES, do Ar Livre e do CIMO. Apesar de escalar
rocha há já muitos anos, esta foi a minha estreia em Montanha.
O resto do percurso é sempre a descer e chegamos rapidamente ao
nosso destino. No dia seguinte, após um escasso pequeno almoço no refúgio,
partimos para a nossa primeira excursão. Constituíamos um
numeroso grupo de 11 montanheiros, liderado pelo Luís Madeira.
Subimos o corredor da Vermeja, em direcção à portilla
do mesmo nome, sem grande dificuldade. Até aqui o meu contacto
com a neve resumira-se a umas quantas temporadas de ski e snowboard. A
ausência de meios mecânicos e a substituição
de uma tábua de snowboard por um par de botas de plástico
equipadas com crampons aguçados dá uma prespectiva completamente
diferente ao cenário. Salvaguardadas as devidas proporções,
é como comparar a Costa da Caparica com uma caminhada em pleno
deserto. A areia é a mesma, mas as moscas são diferentes.
Os Hermanitos são três agulhas de rocha na continuação da crista que vinhamos percorrendo. Tinhamos previsto escalar um deles, mas quando chegámos ao corredor que lhe dá acesso já não tinhamos tempo suficiente para esse empreendimento e decidimos ir-nos divertir numa pequena cascata de gelo que haviamos visto de manhã. O Luís Madeira e o Carlos Teixeira escalaram-na à frente, os restantes escalámo-la em top. Eu fui o último porque temia que, a minha falta de prática nestas andanças, me fizesse destruir toda a formação a golpes desajeitados de piolet. Depressa compreendi que, contrariamente à minha expectativa inicial, uma pequena cascata como aquela escala-se com muita facilidade e é bastante divertido. Fiquei com água na boca para novas incursões neste tipo de "falésia". A segunda noite com a neve como colchão correu-me melhor que a primeira. Não sei se por fadiga ou por algum fenómeno de habituação, senti bastante menos frio. De manhã, quando acordámos, a memória do dia anterior
impelia-me a saltar do saco-cama e partir de novo para os corredores e
cristas, mas sentia inúmeras fibras musculares, estratégicamente
distribuídas por todo o corpo, a ameaçar uma greve geral.
Só à custa de muito diálogo, consegui convencê-las
a erguerem-me a carcassa massacrada. Confesso que menti descaradamente
quando lhes disse que aquele dia seria uma brincadeira de crianças.
Esperava-nos uma longa excursão com passagem pelo topo dos 2 cumes
mais emblemáticos do Circo: a Galana e o Almanzor.
Depois da rotina matinal, partimos em fila
desordenada e trôpega, até nos habituarmos de novo ao saltos
altos e ao ritmo da caminhada. Passámos junto do Ameal Del
Pablo, que ficou na lista das próximas ascensões. Reunimos
todo o grupo e estabelecemos a estratégia. Iriamos trepar o corredor
S.E. da Galana, até ao colo que lhe dá acesso. Olhando para
aquela fina língua de neve, com troços de 50º de inclinação
e 2 zonas de rocha com um aspecto agreste, preparei-me para um longo e
árduo esforço. Seguimos no rasto de outros montanheiros
que alí haviam passado no dia anterior e, quase sem darmos por
isso, estávamos no colo, com a elevação rochosa da
Galana à nossa direita. Só nesse momento reparei que, sob
as correias do capacete, sentia latejar o coração. Afinal
aquilo custa! A próxima etapa desta jornada era o Almanzor, o ponto mais alto
da Serra de Gredos, com 2592m de altitude. Entre um cume e outro tivémos
que atravessar uma cumeada, apelidada de Venteadero, de onde se
tem uma vista magnífica para ambos os lados. Seguiu-se uma travessia
mais delicada, que passámos encordados, em direcção
a um pequeno corredor que nos deixou na base da última pala de
gelo que nos levaria ao ansiado Almanzor. Este é um dos troços
mais delicados desta escalada. Há que superar uma inclinada pala
gelada seguida de um obstáculo de rocha que termina praticamente
no cume. Embora os montanheiros mais experientes passem este obstáculo
sem se encordarem, por mim recomendo vivamente a utilização
da corda. A escalada de troços rochosos com pés de gato
Koflach e sola de crampons não é das coisas mais seguras
deste mundo.
Para a descida montámos um rappel até ao início da
crista de ligação com o corredor do Crampon. Acabámos
por dar boleia a uma cordada nacional, claramente impreparada para aquele
tipo de aventura. Descemos o Crampon até ao corredor da
Vermeja, que tinhamos subido no dia anterior. Na manhã seguinte já não foi possível enganar a musculatura. Foi necessária muita firmeza para conseguir convencer as pernas a colaborarem no percurso de regresso aos carros. Depois de iniciado o caminho, a rotina instala-se, tornando mais fácil encantar os sentidos com a beleza daquelas montanhas. No alto dos Barrerones, a derradeira contemplação daqueles cumes, agora familiares. Fica a promessa de voltar, talvez com objectivos um pouco mais ambiciosos. Zé Maria - zm@gmesintra.com |
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